domingo, 27 de dezembro de 2009

O Início

O início desta caminhada nunca nos levaria a pensar no desfecho que teria.
Começou por uma má disposição geral que se traduziu numa forte dor no peito e na parte esquerda do corpo afectada, com os dedos das mãos dormentes.
N. foi levada para as urgências e, perante o quadro que se apresentava, a médica de serviço decidiu transferi-la para o Hospital de Santa Maria uma vez que desconfiava de ataque cardíaco. Lá, depois de vários exames, entre análises, raio x, e electrocardiogramas, foi-lhe diagnosticada uma infecção muscular. Foi então seguida pelo médico de família que confirmou o diagnóstico e acrescentou que estaria com algum tipo de depressão ou esgotamento.
N. tem 41 anos é mãe de uma rapariga de 16 anos e saiu à poucos anos de um divórcio. Tem vários trabalhos e uma vida bastante activa.
O médico achou que tinha de parar por umas semanas.
Depois deste episódio a sua condição física degradou-se totalmente. Passou a estar quase sempre sentada ou deitada e quando tinha que se deslocar fazia-o como uma pessoa de 80 anos. Tinha desequilíbro para o lado direito.
As suas queixas físicas aumentaram apesar de estar medicada. Esta situação manteve-se por duas semanas, quando me comecei a aperceber que o seu discurso se começou a alterar.
Ela, que era uma pessoa social mas bastante reservada com a sua vida privada, passou a falar sem parar, demorando horas ao telefone com assuntos do passado. Tinha um discurso que oscilava entre a euforia e as lágrimas, perdendo diversas vezes a linha de raciocínio, tendo alguns acessos de irritabilidade.
Confesso que nas primeiras vezes pensei que estivesse carente, depressiva, com necessidade de conversar. Mas a verdade é que à medida que os dias passavam as coisas pioravam, as conversas já não se limitavam apenas ás pessoas intimas mas a qualquer pessoa que com ela se cruzava nas poucas vezes que veio até à rua. Perdeu por completo o pudor social. Passou a não querer comer absolutamente nada porque piorava o seu já antigo problema de obstipação. Desenvolveu um fascínio por chás e bebia-os a toda a hora. Avivou a memória para factos que ninguém se lembrava e confrontava-nos com eles, os bons e os maus. Passou a achar que conspirávamos contra ela, com sinais que não existiam.
Pensei que tivesse tido algum tipo de lesão neurológica, um avc, um coágulo, um tumor cerebral.
No auge dos sintomas demos entrada na urgência do Curry Cabral, não para uma consulta de neurologia mas sim de psiquiatria.
Para conseguirmos convencê-la a deslocar-se ao hospital demoramos um dia inteiro.

Começou aí o pesadelo.

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