segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Os Primeiros Dias

As visitas continuaram.
O hospital, apesar de mais familiar, não perdeu para mim o seu ar de anormalidade.
O desconforto que me provocava de cada vez que lá entrava.
As portas fechadas que me lembravam uma prisão.
Nunca consegui lá entrar com o espírito leve.
Na verdade era como se tudo em mim anoitecesse.

Nesses primeiros dias a N. esteve o mais baixo que alguma vez lhe vi.
Recebia as pessoas contente mas, logo de seguida, perdia os laços que nos unem aos outros.
Desligava-se da nossa presença e entrava num mundo qualquer que não era o nosso.
Ainda hoje não aceito que fosse esse o mundo dela.

Não conseguia levar uma conversa até ao fim e acabávamos a falar apenas de trivialidades.
Do banho, do almoço, do frio.
Coisas simples que falamos com crianças que ainda não têm muito vocabulário. Nessa fase as paranóias estavam no máximo. Confundia doentes com médicos. Arranjou um papel onde escrevia os nomes do pessoal hospitalar e de outros doentes.
Escrevia apenas numa cor. Laranja.
Nunca perguntava por ninguém. Nem pela filha.
Pareceu-me que naquela altura a memória, se existia, tinha desligado.
Apesar de ser uma fase muito angustiante foi a altura em que nos era fácil sair no fim da visita.
Mais para a frente isso viria a mudar.
E a tornar as coisas ainda mais dolorosas.

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